sábado, 25 de agosto de 2007

Nossa Casa.




Nossa Casa.

Quem disse que era para ser diferente? Melhor é impossível. Embora não deixe de reparar a poeira nos moveis, e a bagunça que criamos em nossa casa, devo admitir; ela era bonita. Acredito que ela não possuía bons alicerces, nunca fui um bom engenheiro mesmo, mas você também nunca foi uma excelente dona de casa. Então a casa estava fadada a ser alugada para outros inquilinos. Durante um tempo a deixamos vazia, com o moveis cobertos com lençóis brancos, parecia uma casa fantasma, até nós, tínhamos medo de entrar nela. Quando saímos deixamos tudo para trás, fotos, piano, maquina de escrever e até a nossa cama. Lembro-me que outro dia nós encontramos na rua, e caminhamos juntos até a casa, lá resolvemos que já poderíamos tirar os lençóis por que a nossa historia não tinha nada de aterrorizante, então por que esconde-la embaixo de panos brancos? Descobrimos tudo naquela tarde, e fizemos amor. Foi a ultima vez que fizemos amor em nossa cama.

Lembro-me que eu planejava ter filhos, para que eu pudesse ensina-lo um pouco de música, mas lembro também que você não estava preparada e evitava o assunto. No fundo você não estava preparada não para ser mãe, mas não estava preparada para ter uma vida a dois. A nossa casa depois daquela tarde foi novamente abandonada. Esquecemos de colocar lençóis brancos em cima dos moveis, não tenho plena certeza se esquecemos ou se não queríamos mesmo colocar, afinal depois daquela tarde o sol voltou a entrar pela janela, e clareou o nosso quarto. Parecia que tudo iria voltar a ser o que era. Mas certamente essa não seria a melhor opção de vida para os dois. Os nossos destinos realmente foram traçados na maternidade, e nele estava escrito que a nossa historia teria um inicio um meio e um fim.

Sempre tentamos planejar um final feliz, que pudesse condizer com nossa historia. Esperávamos que mesmo se voltássemos a cobrir a nossa casa com lençóis, e até mesmo aluga-la, queríamos que ela sempre continuasse lá. No mesmo lugar, na mesma rua. Para que se um dia passássemos perto dela com nossos respectivos filhos, lembrássemos de como fomos felizes naquela casa. Esperávamos que aquele coqueirinho que estava no quintal ainda novo crescesse e chegasse aos pontos mais altos da cidade. E que um dia pudéssemos olhar pra o alto e observar as suas folhas ao vento, chorássemos de felicidade em saber que nossa historia estava conservada em uma casa de tijolos e em uma gigantesca arvore. Teríamos a certeza de que fizemos tudo certo. Teríamos a satisfação de estar ali, mesmo com vidas separadas. Olharíamos nos fundos da casa e ficaríamos felizes por tudo que vivemos em cada pedacinho daquele chão.

Mas o que planejamos durante muito tempo deu errado, em uma tórrida noite, do dia 24 de agosto de 2007, começou a chover muito, olhava para a janela e não queria sair do meu apartamento, por que estava com muito medo. Não sei o que tanto me aterrorizava naquela noite, mas eu tinha um pressentimento ruim, sabia que não seria uma noite tranqüila. Estava sentando de frente para a janela, bebendo minha cerveja, quando vi do outro lado da cidade um raio cair. Fez um barulho infernal, fiquei com ainda mais medo. E quase fui dormir. Até ver as chamas aparecerem, nunca tinha visto tanto fogo no céu. Parecia que os demônios haviam invadindo o paraíso. E acho que realmente foi isso que aconteceu. Percebi mesmo muito distante que as chamas estava muito próximo a nossa antiga casa lá onde havíamos tido uma historia e que agora estava para alugar. Mesmo debaixo de chuva sai do meu apartamento, e corri para o outro lado da cidade, eu ofegava e suava mesmo debaixo de uma chuva sinistra. Queria chegar perto e tentar ter certeza que o que eu tinha visto era apenas uma ilusão, e torcer no mínimo que o pior não tivesse acontecido. Que as chamas viessem de um outro lugar.

Para minha maior decepção cheguei a nossa casa, e era realmente ela que estava em chamas, os bombeiros estavam em volta, mais nem a chuva e nem a água que eles jogavam diminuía as chamas que há essa altura já havia consumido praticamente toda a nossa casa. Diante daquele espetáculo de luz e dor, me ajoelhei e chorei, chorei como uma criança, e pensei em todas as palavras que você havia me dito dentro daquela casa. Lembrei-me do nosso primeiro encontro, e do nosso primeiro dia dentro da nossa casa. Lembrei-me do carro que saia daquela garagem quando íamos viajar. Lembrei-me da bagunça, das brigas, dos beijos, e até do gosto de sua comida. Lembrei-me de cada móvel que compramos, lembrei-me de cada instante, momento, segundo que nos abraçamos dentro daquela casa, em que estava contida a nossa historia de amor. Tudo estava lá, não levamos nada embora, por que sempre achávamos que ela seria eterna. Mas não foi. As chamas destruíram tudo, nem mesmo o coqueiro do quintal sobreviveu a tanto horror. Era demais para mim, meu coração estava aflito, desconcertado, agoniado... Não sabia se eu entrava para resgatar alguma coisa, ou se corria daquele lugar. O inferno havia alcançado o meu coração. E minha dor foi aumentada, até que você chegou. Apareceu com um olhar horrível. Parecia não estar vendo o que eu estava vendo. Mesmo sabendo que tudo estava acabando, você mentia para mim dizendo que as chamas eram de mentira. E que eu estava ficando maluco. Gritou comigo, e me culpava de não ter cuidado mais da casa. Como eu poderia ter evitado aquele raio? Afinal não tive culpa da chuva, e você mesma disse que a casa não precisava de para raios, a culpa logo foi sua. Então por que mentia para mim?

Mas transtornado do que nunca fui embora, voltei para o meu apartamento, bebi como um verdadeiro bêbado, querendo que o sono me abatesse e que eu caísse dormindo. Por que sempre soube que nada melhor que o dia seguinte para nos recuperamos das tristezas.

Dormi o sono eterno, que durou dias, parecia que nunca mais iria acordar. Sonhei com frutos, neve e com o mar. Sonhei com partidas de sinucas e com mulheres. Sonhei com filhos, pais e mães. Sonhei com quase tudo que você possa imaginar. Sonhei com lugares e momentos que conheci, minha vida passou inteira durante uma noite de sono. Sonhei com meus planos, meus desejos, e com uma nova vida. Ela era diferente daquela que eu estava levando agora, e muito diferente daquela que levei contigo. O céu tinha cor de Baunilha, como se o sol estivesse se pondo a todo segundo. Que sonho lindo.

No dia seguinte amanheci com uma tremenda dor de cabeça, fruto da bebedeira. Minha cabeça parecia uma rocha e as ondas do mar vinham de segundo em segundo bater contra ela. Ainda desnorteado fui até a janela, e vi que não havia mais fogo. Olhei para o meu celular e vi algumas chamadas não atendidas de um numero que me era familiar.

Fui caminhar pelas ruas da cidade. E cheguei em uma rua onde havia muitos escombros e cinzas. Aquele lugar me era familiar. Mas não me lembrava exatamente o que me era familiar naquele monte de cinzas. Uma mulher se aproximou. Disse que me conhecia e que tivemos uma linda historia debaixo daquelas cinzas. Não reconheci a mulher. E nem os escombros. Todo o meu passado que ela tentava me recordar estava perdido na noite anterior. Disse que infelizmente não há reconhecia e parti. Voltei para o meu apartamento. Cozinhei, li alguns livros, fui e voltei do trabalho. E levei uma vida normal. Na noite do dia 25, apenas uma pergunta ficava na minha cabeça. Como as pessoas podem deixar que suas casas peguem fogo? Sem saber qual havia sido o motivo do fim daquela casa, me perguntava: Como as pessoas abandonam a suas historias assim? Os pensamentos foram morrendo e percebi que eu tinha mais o que fazer do que me preocupar com a vida dos outros. E que agora segundo meu sonho, a minha vida recomeçaria. Prometi a mim mesmo, ter extintores de incêndio em casa. Prometi que a mulher que aparecer para mim, não vai mais apenas recordar do que vivemos, ela irá viver cada um deles intensamente comigo. Prometi a mim mesmo, que meus pedaços ficariam presos ao meu corpo e que eu não deixaria mais que alguém os usa-se. Prometi a vida, que o passado está no passado, e esse é o seu devido lugar. Mas algo ainda me incomodava, não estava mais na minha cabeça e sim no meu corpo. Tirei toda a minha roupa e fui tomar um banho de sal grosso, mas não adiantou. O que pesava ainda nesse corpo, enquanto escovava os dentes percebi um anel em um dos meus dedos. Um anel que estava escurecendo, que não tinha mais nada haver com o meu corpo. Tirei ele do meu dedo, e sentir uma enorme leveza. Pensei em joga-lo fora. Mas o guardei em algum lugar que nem me lembro mais. E só fiz por que ele parecia ter sido o único sobrevivente do fogo daquela casa. O guardei, para que talvez um dia eu tente me lembrar o que tanto me assombrou ao ver aquela casa derretida. E talvez tentar refletir sobre as historias que aconteceram lá, e foram destruídas. Tenho um pouco de pena dos donos daquela casa. Que não souberam preservar o melhor que a vida nos deu, nossas lembranças.

Jonathan Cabo – 25 de agosto de 2007

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